O modelo de franquia é uma forma de expansão de negócios cada vez mais popular em todo o mundo, inclusive sendo o Brasil um dos países que mais explora esse formato de expansão e investimento, uma vez que o franchising oferece uma maneira eficiente e relativamente segura de iniciar um negócio próprio.
Porém, como qualquer atividade empresarial, a franquia também possui riscos, existindo questões importantes que precisam ser consideradas quando de sua implementação e gerenciamento, especialmente quando tratamos da relação entre franqueador, franqueado e seus funcionários.
Neste artigo o objetivo é explorar alguns dos desafios enfrentados pelas franquias em relação aos direitos trabalhistas, bem como qual tem sido o posicionamento do judiciário sobre o assunto.
É preciso destacar, de antemão, que inexiste vínculo empregatício na relação de franquia, entre franqueador e franqueado, uma vez que não há qualquer relação de subordinação ou de prestação de serviços. O que se verifica é relação entre empresários independentes e distintos entre si que buscam, de forma conjunta, alcançar o lucro em suas atividades.
Assim sendo, enquanto em um vínculo empregatício o empregador determina como e o que deverá ser feito pelo empregado, configurando insubordinação à não execução ou até mesmo a execução de forma diversa daquilo que foi determinado pelo empregador, na relação existente na franquia, a franqueadora como titular da marca e detentora de know-how orienta, por meio de diretrizes, como deve ser gerida a unidade franqueada, prezando pela padronização da rede de franquias.
Porém, em que pese as diretrizes por parte da franqueadora, é preciso ressaltar que compete única e exclusivamente ao franqueado a gestão do negócio, com a devida autonomia sim, mas sempre em observância ao padrão e diretrizes da titular do sistema de franquias.
Corroborando com esse entendimento, a própria Lei nº 13.966/2019, que dispõe sobre o sistema de franquia empresarial no Brasil, consigna em seu artigo 1º a afastabilidade expressa de existência de vínculo empregatício entre o franqueador e franqueado, ou seus empregados, mesmo durante o período de treinamento.
E justamente com base nessa premissa que o Supremo Tribunal Federal, em decisão tomada na RCL nº 57.954/RJ, anulou acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ) que havia afastado a eficácia de contrato de franquia, em razão do reconhecimento de relação empregatícia.
No caso em questão, o TRT – 1ª Região entendeu como presentes os elementos da relação de emprego constantes nos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), considerando ainda a modificação da estrutura tradicional do contrato de trabalho regido pela CLT para contrato de franquia, tornando-se o empregado, portanto, “pessoa jurídica” por força da imposição da empresa contratante para a manutenção do vínculo de emprego.
Desta feita, o Ministro Relator Alexandre de Moraes, reforçou que a decisão não levou em consideração os recentes posicionamentos do STF sobre o tema, que vem reconhecendo que determinados negócios empresariais se organizem de formas distintas, não só pela terceirização, mas também por outras formas – dentre as quais o modelo de franquia.
Para fins de respaldar o parecer, foram citadas as decisões tomadas pela referida Corte no Tema 725 da Repercussão Geral – RE 958.252 e ADF 324 da ADC 48. Senão vejamos:
Tema 725 da Repercussão Geral – RE 958.252
“É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”. (grifo nosso)
ADPF 324
“A Constituição Federal não veda ou restringe expressa ou implicitamente a possibilidade de terceirização, enquanto possibilidade de modelo organizacional, [....]. Vou, porém, mais além ao afirmar que a Constituição Federal tampouco impõe qual ou quais as formas de organização empresarial devam ou possam ser adotadas, pois assegurou a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
[...]
O texto constitucional não permite, ao poder estatal – executivo, legislativo ou judiciário – impor um único e taxativo modelo organizacional para as empresas, sob pena de ferimento aos princípios constitucionais da livre iniciativa e livre concorrência.”
Portanto, é possível verificar a posição do STF no sentido de anuir com a permissão constitucional de formas alternativas da relação de emprego, consoante já se reconheceu, inclusive, em casos de afastamento da ilicitude de terceirizações por meio da contratação de pessoas jurídicas constituídas para prestação de serviços na atividade fim da entidade contratante.
O Ministro Relator, portanto, aplicou entendimentos das decisões supra para o contrato de franquia empresarial, de modo que no caso em tela, restou-se decidido que a sentença ora imposta pelo TRT – 1ª Região, considerou somente a modificação da estrutura tradicional do contrato de trabalho regido pela CLT, desconsiderando, portanto, as conclusões tomadas anteriormente pelo STF com relação a constitucionalidade das relações de trabalho diversas daquelas de emprego regidas pela CLT, incluindo, mas não se limitando, via franquia.
Desta feita, restou autorizada a constituição de vínculos distintos da relação de emprego, legitimando-se a decisão da empresa pela organização de suas atividades por meio da implantação de franquia, citando-se, na sentença, o art. 2º da antiga Lei 8.955/1994, que prevê: “Franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício”.
Portanto, é possível concluir que uma vez presentes os elementos característicos da franquia (quais sejam: licença de uso da marca, transferência de know-how, suporte mercadológico e contínuo, atrelado ao direito de distribuição de produtos ou serviços de forma sistematizada), restará caracterizada uma relação de natureza civil, nos termos da legislação específica, não havendo que se falar, portanto, em relação de vínculo empregatício.
Autores:
Alexandre Passos
Sócio Coordenador da Área de Franquias e Canais de Distribuição
Núcleo de Consultoria Empresarial
Saiba mais em: https://bit.ly/alexandrepassos
Julia Paes L. Huber
Advogada Associada
Núcleo de Consultoria Empresarial
Saiba mais em: https://bit.ly/juliahuber
Removal of employment relationship on franchise arrangements: comments on the recent decision of the Brazilian Supreme Court in Complaint No. 57,954/RJ
The franchise model is a form of business expansion increasingly popular around the world, including in Brazil, one of the countries that most exploits this format of expansion and investment, since franchising offers an efficient and relatively safe way to start a business of its own.
However, like any business activity, the franchise also has its risks, and there are important issues that need to be considered when implementing and managing, especially when dealing with the relationship between franchisor, franchisee and their employees.
In this article the objective is to explore some of the challenges faced by franchises in relation to labor rights, as well as what has been the position of the Brazilian Judiciary on the subject.
It should be noted, beforehand, that there is no employment relationship in the franchise relationship between franchisor and franchisee, since there is no relationship of subordination or provision of services necessary for that matter, but rather a relationship between independent and distinct entrepreneurs who seek, jointly, to achieve profit.
Therefore, while in an employment relationship the employer determines how and what should be done by the employee, in a way that the non-execution or even the execution in a different way from what was determined by the employer configure insubordination, in a franchise relationship, the franchisor as owner of the trademark and holder of the business know-how, instructs through guidelines on how the franchisee unit should be managed, valuing the standardization of the franchise network.
However, despite the guidelines by the franchisor, it should be noted that it is solely and exclusively up to the franchisee to manage the business, with due autonomy, but always in compliance with the standards and guidelines of the franchisor.
Corroborating this understanding, Law No. 13,966 of 2019, which regulates the franchise system in Brazil, enshrines in its Article 1 the express dismissibility of the existence of an employment relationship between the franchisor and franchisee, or their employees, even during the training period.
And precisely based on such premise, the Brazilian Supreme Court (“STF”), in a decision taken in Compliant No. 57,954/RJ, annulled a previous judgment of the Regional Labor Court of the 1st Region that had removed the effectiveness of a franchise agreement, due to the recognition of an employment relationship.
The Reporting Minister Alexandre de Moraes, reinforced that the decision did not take into account the recent STF positions on the subject, which recognized that certain businesses are organized in different ways, not only by outsourcing, but also by other forms – among which the franchise model.
For the purpose of supporting the legal opinion, the decisions taken by the Court in Theme 725 of the General Repercussion – RE 958.252 and ADPF 324 of ADC 48 were cited:
Theme 725 of General Repercussion – RE 958.252
"It is lawful to outsource or use any other form of division of labor between different legal entities, regardless of the corporate purpose of the companies involved, maintaining the subsidiary liability of the contracting company." (emphasis added)
ADPF 324
"The Federal Constitution does not expressly or implicitly prohibit or restrict the possibility of outsourcing, as a possibility of organizational model, [....]. I will, however, go further by stating that the Federal Constitution also does not impose which or which forms of business organization should or can be adopted, since it ensured the free exercise of any economic activity, regardless of authorization from public agencies, except in the cases provided for by law.
[...]
The constitutional text does not allow the state power – executive, legislative or judicial – to impose a single and exhaustive organizational model for companies, under penalty of injury to the constitutional principles of free enterprise and free competition.” (emphasis added)
Therefore, it is possible to verify the position of the Brazilian Supreme Court in the sense of agreeing with the constitutional permission of alternative forms of the employment relationship, as has already been recognized, even in cases of removal of the illegality of outsourcing through the hiring of legal entities constituted to provide services in the end activity of the contracting entity.
The Reporting Minister, therefore, applied reasonings of the above decisions to the business franchise agreement, so that in the present case, it was decided that the previous judgment imposed by the Regional Labor Court of the 1st Region (RJ), considered only the modification of the traditional structure of the employment contract governed by the Brazilian Consolidation of Labor Laws (“CLT”), disregarding, therefore, the conclusions previously taken by the STF regarding the constitutionality of labor relations other than those of employment governed by the CLT, including via franchise.
Thus, the constitution of bonds distinct from the employment relationship was authorized, legitimizing the company's decision to organize its activities through the implementation of a franchise, citing, in the judgement, Article 2 of the revoked Law No. 8,955 of 1994 (previous Brazilian Franchise Law), which provides that “Franchise business is the system by which a franchisor assigns to the franchisee the right to use a trademark or patent, associated with the right of exclusive or semi-exclusive distribution of products or services and, eventually, also with the right to use technology for the deployment and administration of a business or operating system developed or owned by the franchisor, for direct or indirect remuneration, without, however, being characterized as an employment relationship.”.
Therefore, it is possible to conclude that once the characteristic elements of the franchise are present (i.e., license to use the mark, transfer of know-how, marketing and continuous support, linked to the right to distribute products or services in a systematized way), a relationship of a civil nature will characterized, under the terms of the specific legislation, and there isn’t, therefore, any relationship of employment nature.
Authors:
Alexandre Passos
Coordinator Partner of the Area of Franchise and Distribution Channels
Business Consulting Department
Julia Paes L. Huber
Associate Attorney
Business Consulting Department
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