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Qual a melhor forma de proteger uma coleção de moda?

A indústria da moda vem obtendo enormes benefícios advindos do desenvolvimento tecnológico, seja na criação de novos tecidos e fibras, cores, tramas, seja na viabilização da sobreposição das artes clássicas à vestimenta e na enorme facilidade de reprodução destas por quem quer que seja. Resultado: uma infinidade de novas e inovadoras coleções!


Não raramente nos deparamos com grafites, aquarelas, pinturas, esculturas reproduzidas sem autorização em roupas, obras publicitárias que oferecem roupas, inclusive vestimentas virtuais no Metaverso.


Também não são raras as oportunidades de conflitos entre criadores de peças de vestuário exclusivas e originais, produzidas sob encomenda, e réplicas oferecidas no mercado de forma sorrateira e, às vezes, antes mesmo que o original seja exposto, aterrorizando artistas, modelistas e compradores que se esforçam para desenvolver e adquirir um produto original e exclusivo.


Nossas leis conseguem garantir os direitos dos criadores em ambos os contextos acima: obras de arte reproduzidas em roupas, e roupas originais que são verdadeiras obras de arte. E nesse cenário de proteção da criatividade aplicada ao mundo fashion, desponta a gestão estratégica em Propriedade Intelectual, em especial, Direitos Autorais, Desenhos Industriais, Marcas e Concorrência Desleal.


O estabelecimento de estratégias de proteção intelectual pode partir de questões relativamente simples como, por exemplo:

  • É necessário registrar como Desenho Industrial todos os modelos da minha coleção para obter exclusividade?

  • O que define uma peça inovadora ou original para fins de proteção?

  • Em quais hipóteses um calçado ou outros artigos de vestuário podem ser protegidos por Direito Autoral?


Não há um entendimento pacífico sobre a aplicação da proteção da Lei nº 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais) a peças de vestuário. Por um lado, corroborando que a Lei nº 9.610/98 não se aplica a essas hipóteses, e que a proteção deve ser exclusivamente pelo registro de Desenho Industrial, cita-se decisão da 2ª Vara Empresarial de São Paulo (Processo nº 1131383-46.2021.8.26.0100):


[N]o caso de processo criativo de peças de vestuário não incide a proteção do direito autoral, nem mesmo se houvesse a tentativa de enquadrá-lo nos termos do artigo 7º, VIII e IX, da Lei n. 9.610/98.


Por certo, no ramo de peças de vestuário, nem toda produção é dotada de proteção jurídica, exatamente porque a própria moda deriva dos usos e costumes ao longo do tempo, não se podendo tratá-las, de forma indiscriminada, como obras de arte, sobretudo porque, como também é cediço, a atividade criativa neste ramo envolve o conceito amplo de “inspiração”, a tornar bastante complicado muitas vezes diferenciar o que seja uma cópia ou imitação, do que seja apenas inspiração de coleção produzida anteriormente por outro estilista.


A afirmação acima pode ser facilmente comprovada em semanas de moda, que, de tempos em tempos, “recriam” produções elaboradas por outros estilistas em épocas passadas, o que é naturalmente tratado como inspiração em criação alheia.


O mesmo ocorre, aliás, em países tropicais como o Brasil, cuja estação vindoura é precedida pelo lançamento das coleções de estação em países estrangeiros, o que ocorre especialmente com criações de estilistas estrangeiros famosos, em semanas de moda de Paris, Milão e Nova York, por exemplo.


Os que defendem que a proteção de artigos de vestuário também pode se dar por meio do Direito Autoral apontam que são passíveis de tal proteção todas as peças que possuam um grau mínimo de criatividade que a tornem única, individualizada. Nesse sentido, cita-se entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ (REsp 1.943.690/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi):


3. São passíveis de proteção pela Lei 9.610/98 as criações que configurem exteriorização de determinada expressão intelectual, com ideia e forma concretizadas pelo autor de modo original.


4. O rol de obras intelectuais apresentado no art. 7º da Lei de Direitos Autorais é meramente exemplificativo.


5. O direito de autor não toma em consideração a destinação da obra para a outorga de tutela. Obras utilitárias são igualmente protegidas, desde que nelas se possa encontrar a exteriorização de uma “criação de espírito”


Vale ressaltar que a possibilidade de proteção pela Lei de Direitos Autorais não exclui também a possibilidade de registro como Desenho Industrial, desde que cumpridos os requisitos necessários para a obtenção deste tipo de registro.


O exame aprofundado das orientações de nossos tribunais, apoiado pela doutrina mais atualizada sobre o tema, resulta na estratégia de se buscar, sempre que possível, o nível mais elevado de proteção, trabalhando com diferentes direitos de Propriedade Intelectual.


Assim, tão logo se tenha finalizados os designs das peças de uma coleção de obras utilitárias (aqui entendidas peças de vestuário), deve-se buscar a proteção via registro de Desenho Industrial – e desde que tais peças possuam em suas características “esforço criativo e inovador” que justifique a obtenção de uma exclusividade conferida pela lei.


Há casos em que os níveis de esforço criativo são bastante elevados, e as peças são elaboradas quase que de forma artesanal. Nessas situações, é mais sustentável defender que se está diante de uma obra de arte aplicada à indústria, e que estas peças estariam protegidas por Direito Autoral.


Com efeito, para peças que efetivamente são artesanais, cuja confecção ocorra através de esforços criativos individualizados, com a aplicação de técnicas apuradas, a proteção é efetivamente via Lei de Direitos Autorais, e esse reconhecimento deve ser garantido ao criador. Observa-se um crescente número de associações de artesãos que estão se organizando a fim de fortalecer o reconhecimento de suas obras e a garantia dos seus direitos.


O tema é vasto e fascinante, uma vez que na Indústria da Moda há uma imensidão de detalhes – desde a aplicação de cores em uma determinada posição até a modelagem de uma mínima peça de roupa de banho, por exemplo. O estudo e a atualização para buscar as melhores práticas e estratégias deve ser constante visto que, com o advento das novas tecnologias, surgem diariamente novos casos emblemáticos e desafiadores.


Autora:

Mariana Pereira de Souza Chacur - Sócia Coordenadora da Área de Marcas e Fashion Law

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