Aplicação da Nova Regra da Cláusula de Eleição de Foro: Reflexões sobre a Decisão do STJ no Conflito de Competência nº 206933
- Baril Advogados
- 2 de mai.
- 7 min de leitura
Atualizado: 6 de mai.
A recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Conflito de Competência nº 2.069.33-SP¹, trouxe importantes considerações sobre a aplicação da nova redação do artigo 63 do Código de Processo Civil (CPC), alterada pela Lei nº 14.879 de 2024. Essa decisão é particularmente relevante para a compreensão dos limites e das implicações da nova regra da cláusula de eleição de foro, especialmente no que tange à sua aplicação temporal.
Para contextualização, antes da Lei nº 14.879 de 2024, o artigo 63 do CPC não exigia que o foro eleito em contrato guardasse vinculação com a local das partes contratantes ou com o local da obrigação, sendo autorizado às partes, por exemplo, negociarem a eleição de um foro neutro ou com tribunais mais céleres e baratos. Ainda, conforme a Súmula 33 do STJ, antes da alteração legislativa o juiz não podia reconhece a incompetência territorial de ofício, cabendo às partes litigantes demonstrarem a abusividade da cláusula eleição do foro.
Entretanto, a Lei nº 14.879 de 2024 introduziu significativas mudanças no artigo 63 do CPC. De um lado, estabeleceu que a cláusula de eleição de foro deve guardar pertinência com o domicílio das partes ou com o local da obrigação e, de outro, que o ajuizamento de ação em juízo aleatório constitui prática abusiva, passível de declinação de competência de ofício. Em geral, essa alteração visou coibir práticas abusivas de forum shopping ou foro aleatório — entendido genericamente como aquele foro que não guarda nenhum elemento de conexão com o objeto da demanda e/ou com a localidade das partes litigantes, independentemente de o foro ter sido escolhido pelas partes contratantes por uma opção de neutralidade, celeridade ou economia.
Nesse sentido, no caso analisado pelo STJ no Conflito de Competência nº 2.069.33-SP, a ação foi ajuizada em 27 de janeiro de 2023, antes da vigência da Lei nº 14.879 de 2024, que entrou em vigor em 4 de junho de 2024. Portanto, a questão central era determinar se a nova redação do artigo 63 do CPC poderia ser aplicada retroativamente a processos em curso, iniciados antes de sua entrada em vigência.
A Ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, reforçou que a nova redação do artigo 63, § 1º, do CPC, visa coibir práticas abusivas de escolha de foro aleatório. A decisão também ressaltou que a não observância desses novos parâmetros legais é presumido como prática abusiva, permitindo ao juiz declinar de ofício a competência, conforme o § 5º do artigo 63 do CPC.
No entanto, a aplicação dessas novas regras é limitada temporalmente. Muito embora o princípio do tempus regit actum imponha a aplicação imediata da lei processual, o STJ fundamentou sua decisão na Teoria do Isolamento dos Atos Processuais, prevista no artigo 14 do CPC, que estabelece que a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada. Além disso, o artigo 43 do CPC determina que a competência é fixada no momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente.
Portanto, a decisão do STJ foi clara ao afirmar que as novas regras do artigo 63 do CPC só se aplicam às ações judiciais em que a petição inicial tenha sido protocolada após a entrada em vigor da Lei nº 14.879 de 2024, em 04 de junho de 2024. Para ações ajuizadas antes dessa data, prevalece a regra anterior, que não permitia ao juiz declarar da incompetência relativa de ofício, mesmo que o foro eleito não guarde pertinência com o domicílio ou residência de uma das partes ou com o local da obrigação.
Essa decisão mitiga algumas das preocupações e problemas decorrentes da Lei nº 14.879 de 2024, ao assegurar que as novas regras de eleição de foro não afetem processos iniciados antes de sua vigência. Isso traz um alívio para as partes que já se encontravam em litígio e haviam pactuado cláusulas de eleição de foro sob a égide da legislação anterior, garantindo a segurança jurídica e a estabilidade aos processos.
No entanto, outras problemáticas relacionadas ao tema ainda permanecem sem resposta. Questões como a definição precisa do grau de pertinência exigido para a eleição de foro e os impactos práticos da nova regra sobre a autonomia das partes em contratos empresariais continuam a gerar incertezas e debates. Para uma análise mais aprofundada sobre essas questões e outras implicações da Lei nº 14.879 de 2024, recomendamos a leitura do artigo "Restrição à Autonomia da Vontade nos Contratos Empresariais: A Lei nº 14.879 de 2024 e a Alteração na Regra da Cláusula de Eleição de Foro" (clique aqui), que discute detalhadamente os desafios e as possíveis soluções para os problemas introduzidos pela nova legislação.
Este conteúdo tem natureza informativa e não equivale a uma consulta jurídica.
¹ Conflito de Competência nº 2.069.33-SP, disponível em <STJ>.
Autor:
Luca Sutile de Lima
Advogado Associado
Núcleo de Consultoria Empresarial
Saiba mais em: https://bit.ly/lucasutile
Application of the New Rule on Choice of Forum Clause: Reflections on the STJ Decision in Conflict of Jurisdiction No. 206933
The recent decision of the Superior Court of Justice (STJ) in Conflict of Jurisdiction No. 2.069.33-SP² brought important considerations regarding the application of the new wording of Article 63 of the Code of Civil Procedure (CPC), amended by Law No. 14,879 of 2024. This decision is particularly relevant for understanding the limits and implications of the new rule on the choice of forum clause, especially regarding its temporal application.
For context, before Law No. 14,879 of 2024, Article 63 of the CPC did not require the elected forum in a contract to be linked to the location of the contracting parties or the location of the obligation, allowing the parties, for example, to negotiate the election of a neutral forum or with faster and cheaper courts. Furthermore, according to STJ Summary 33, before the legislative amendment, the judge could not recognize territorial incompetence ex officio, leaving it to the litigating parties to demonstrate the abusiveness of the choice of forum clause.
However, Law No. 14,879 of 2024 introduced significant changes to Article 63 of the CPC. On one hand, it established that the choice of forum clause must be relevant to the domicile of the parties or the location of the obligation, and on the other hand, that filing a lawsuit in a random court constitutes abusive practice, subject to ex officio declination of jurisdiction. In general, this amendment aimed to curb abusive practices of forum shopping or random forum—generically understood as a forum that has no connection with the subject matter of the dispute and/or the location of the litigating parties, regardless of whether the forum was chosen by the contracting parties for neutrality, speed, or economy.
In this sense, in the case analyzed by the STJ in Conflict of Jurisdiction No. 2.069.33-SP, the action was filed on January 27, 2023, before the entry into force of Law No. 14,879 of 2024, which came into force on June 4, 2024. Therefore, the central issue was to determine whether the new wording of Article 63 of the CPC could be applied retroactively to ongoing processes initiated before its entry into force.
Minister Nancy Andrighi, rapporteur of the case, emphasized that the new wording of Article 63, § 1, of the CPC aims to curb abusive practices of choosing a random forum. The decision also highlighted that non-compliance with these new legal parameters is presumed to be abusive practice, allowing the judge to decline jurisdiction ex officio, according to § 5 of Article 63 of the CPC.
However, the application of these new rules is temporally limited. Although the principle of tempus regit actum imposes the immediate application of procedural law, the STJ based its decision on the Theory of Isolation of Procedural Acts, provided for in Article 14 of the CPC, which establishes that procedural law will not retroact and will be immediately applicable to ongoing processes, respecting procedural acts performed and legal situations consolidated under the validity of the repealed norm. Furthermore, Article 43 of the CPC determines that jurisdiction is fixed at the time of registration or distribution of the initial petition, regardless of subsequent changes in the state of fact or law.
Therefore, the STJ's decision was clear in stating that the new rules of Article 63 of the CPC only apply to lawsuits in which the initial petition was filed after the entry into force of Law No. 14,879 of 2024, on June 4, 2024. For actions filed before this date, the previous rule prevails, which did not allow the judge to declare relative incompetence ex officio, even if the elected forum is not relevant to the domicile or residence of one of the parties or the location of the obligation.
This decision mitigates some of the concerns and problems arising from Law No. 14,879 of 2024, by ensuring that the new rules on the choice of forum do not affect processes initiated before its entry into force. This brings relief to parties already in litigation who had agreed on choice of forum clauses under the previous legislation, ensuring legal certainty and stability to the processes.
However, other issues related to the topic remain unanswered. Questions such as the precise definition of the degree of relevance required for the choice of forum and the practical impacts of the new rule on the autonomy of the parties in business contracts continue to generate uncertainties and debates. For a more in-depth analysis of these issues and other implications of Law No. 14,879 of 2024, we recommend reading the article "Restriction on the Autonomy of Will in Business Contracts: Law No. 14,879 of 2024 and the Amendment to the Rule on the Choice of Forum Clause" (click here), which discusses in detail the challenges and possible solutions to the problems introduced by the new legislation.
This content is informative in nature and does not constitute legal advice.
² Conflict of Jurisdiction No. 2.069.33-SP, available at <STJ>.
Author:
Luca Sutile de Lima
Associate Attorney
Business Consulting Department
Learn more at: https://bit.ly/lucasutile
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